Você caminha por uma rua tranqüila da cidade e, ao passar pela porta do restaurante de aparência simpática, não pode deixar de reparar na placa que anuncia “refeições caseira”. Um pouco adiante, sua aula prática de concordância ganha um novo colorido: um vendedor anuncia, pelo alto falante do velho caminhão, “frutas fresquinha”, “morangos maduro” e “quatro caixa de caqui por oito real”.
Se uma associação de idéias o remeter imediatamente ao grande palco da temporada da política em Brasília, não será mera coincidência: também na CPI dos Correios o s final sucumbiu ao que se pode considerar a nova moda de tornar as palavras absolutamente invariáveis, sem levar em conta se designam uma, duas, cinco ou 10 unidades.
Poupemos os nomes, já que este comentário, nem de longe, pretende engrossar as fileiras do denuncismo. Mas, como ficar insensível diante de jóias lingüistas como “pessoas vinculada ao partido”, “nas últimas campanha”, “as regiões mais carente, mais distante dos grandes centro” “os militante”, “os partido de base aliada”, “nos escritório dos Correio”, “esses detalhe”?
No começo, você pensa que ouviu mal, que não estava prestando a atenção devida. Por isso, apura os sentidos. Aí vem a surpresa: a linguagem não se altera. Intimamente, você pergunta-se, a exemplo do que ocorreu com muitas outras pessoas: como é possível? Afinal, nas 10 ou 15 horas de depoimentos e perguntas de cada sessão da CPI, cruzam-se as vozes de deputados, senadores, dirigentes de partidos, secretárias de altos empresários.
Para dizer o menos, trata-se de pessoas para que a linguagem constitui importante forma de comunicação, de expressão ou de convencimento. Em maior ou menor grau, freqüentaram boas escolas (presume-se), tiveram acesso aos diversos níveis de ensino formal, muitas até exibem um anel universitário. Como admitir, então, tamanho descaso com o idioma?
Engana-se quem pensa que tudo se limitou a enunciar ou não um s no fim das palavras. A concordância também não escapou incólume desse escapamento verbal: “Indiquei x nomes. Esses nomes foi pra cá ou pra lá.”/ “A Senhora tem tudo pra fazer que seja reparado os danos cometidos.”/ “O que me traz à CPI é alguns assuntos como...”. E os casos clássicos do gênero, claro, dificilmente ficariam ausentes: “Haviam muitos problemas a resolver”, “houveram casos que eu não gostaria de mencionar”, “faziam dois anos que eu vinha alertando os dirigentes”, “já fazem 10 horas que estamos reunidos e nada se resolver até agora”.
O nervosismo do momento pode justificar um ou outro erro ocasional, é evidente, mas não, depois de horas de depoimento, pronúncias como “probrema”, “craro”, “Pranarto”, “recramações”, “habeas corpio”, “seje”, “esteje”, “areoporto”, etc. Como se vê, infelizmente, não é apenas de honestidade e lisura no trato dos recursos públicos que o país está precisando.